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Bons estudos!
Uma das maneiras clássicas de entender o que vem a ser a atividade do filósofo é aquela que o coloca longe do mundo, um sábio eremita distante de todos os outros, isolado em sua caverna ou em seu escritório pensa os problemas da realidade sem, contudo, pertencer inteiramente a este mundo.
Compreender a realidade, elaborar castelos teóricos de profunda sofisticação, mas sem muito “trato” para com os outros homens ali na rua, no parque, nos escritórios de advocacia. Nesse sentido, o filósofo tenta apreender uma realidade na qual os outros homens, por falta de intelectualidade, ou de oportunidade – talvez de vontade? – não conseguem acessar.
Tal caracterização tem história, e num certo sentido, ainda não nos abandonou.
Detentor de um conhecimento específico, munido de armas intelectuais de difícil transmissão, o filósofo, amigo da sabedoria (vale lembrar da definição da palavra Filósofo cunhada provavelmente por Pitágoras composta de Philos = amigo, e Sofia = conhecimento) observa o natural fluxo do tempo, a constante passagem da natureza, a transformação do mundo, as relações sociais sem estar imediatamente nelas.
Amigo do conhecer, nessa caracterização, o homem sábio está longe do palco da história.
Mas esta noção nos coloca imediatamente defronte a uma outra. A busca por conhecimento, a sede insaciável de compreensão, transforma o filósofo numa figura vaidosa e orgulhosa, a sua sede pelo saber é infinita.
Tal concepção acerca do conhecimento e de sua infinda busca não é nova na história e, igualmente, pode ser remontada a uma visão clássica de compreensão.
O pecado original, aquele do início da humanidade, pode ser caracterizado como um típico ato de filosofia. Por que?
Acompanhemos Gênesis 3:6, a seguir:
“Quando a mulher viu que a árvore parecia agradável ao paladar, era atraente aos olhos e, além disso, desejável para dela se obter discernimento, tomou de seu fruto, comeu-o e o deu a seu marido, que comeu também”.
Não é preciso muita atenção para perceber que uma das motivações mais significativas para a grande queda, fundação de nossa condição perpetuamente pecadora, é que a árvore proibida era uma fonte de… conhecimento. Sim, expulsos pela sede de conhecer, de discernir, de buscar. Expulsos por sermos demasiado filósofos! Como se nossa incessante necessidade de reconciliação com o Criador devesse-se, antes de tudo, à nossa fome por conhecer aquilo que não sabemos.
De sujeito que está longe do mundo àquele que cai no mundo através do pecado pela violação do mandamento “não pegarás desse fruto”, em suma, não conhecerás! Já nos parece, vejam vocês, que o estranhamento da filosofia vai dando lugar a outras e mais profundas questões.
Será que só da religião judaico-cristã podemos extrair exemplos da força que o desejo de conhecer pode ter? Será que a ideia fundamental por detrás da mitologia religiosa de que o conhecimento é perigoso pode ser remontada apenas à religião? Ou devemos dar razão à psicanalista inglesa Melanie Klein (1882 – 1960) quando ela pontua que “quem come do fruto do conhecimento é sempre expulso de algum paraíso”? E se sim, qual são esses outros paraísos a que podemos ser, sedentos por saber, exilados?
Esta investigação, espero que esteja me acompanhando, já nos revela outra interpretação à velha “para que filosofia?” na exata medida em que nos pode levar a concepção de que essa tal filosofia pode ser perigosa, pode ocultar alguma coisa muito incômoda que preferimos esconder.
Uma alegoria nos pode ajudar mais uma vez. Diz a mitologia grega – e sirvo-me do clássico livro sobre o tema de Thomas Bulfinch – que Faetonte era filho de uma ninfa, Climene, e do deus Apolo.
O menino fora zombado entre os seus colegas que insinuavam que ele não era o filho de tal Deus, vale lembrar que Apolo é deus de importância inestimável e sobre sua tutela estão o sol, a adivinhação, mesmo a caça. Indignado pela injúria, o garoto retoma para sua casa e exige de sua mãe que lhe certifique o sangue.
Para o deleite do menino, a mulher jura-lhe mais uma vez a veracidade da herança e pede que o garoto vá ele mesmo à morada do Sol ter um encontro com seu pai. Após o deleitoso encontro, para sanar as súplicas e dúvidas do pobre garoto, Apolo o concede um desejo que promete realizar para pôr fim à querela. Qual não é a surpresa e o horror do grande deus sol ao ouvir o pedido do garoto. “Quero dirigir por um dia o carro do sol”.
Para o leitor não versado em mitos, auxilio: isto é nada mais que carregar o flamejante carro do dia e dar uma volta completa ao longo da terra fazendo descer o sol ao seu lugar de descanso pela noite.
Não sendo possível contrariar o jovem ingênuo, Apolo não tem outra saída a não ser cumprir sua palavra. O desfecho, caro leitor, não poderia ser outro. Faetonte não fora capaz de cumprir a tarefa e, completamente alheio às verdadeiras exigências necessárias para tal empreitada, incendiou o mundo, interferiu nos rios, violentou a natureza, destruiu a agricultura, destruindo metade da terra.
Não mais podendo suportar a lancinante tragédia, os deuses reúnem-se ao redor do grande deus dos deuses, Zeus, e exigem uma medida drástica. Tal fora tomada: com um raio certeiro, o senhor dos céus derruba o jovem garoto dos cavalos e da carruagem desgovernados, lançando o corpo morto inerte como uma estrela cadente em chamas de volta à terra.
Como podemos interpretar essa bela alegoria? Apolo, entre outras coisas, pode ser uma importante metáfora para o conhecimento. Deus da adivinhação e prediletor do futuro, este deus reina em templos importantes da Grécia.
A ideia de atingir o Sol – o próprio deus Apolo é dito, por vezes, o Sol – é algo que pode ser lido como atingir o conhecimento, a mais alta escalada, lá onde reinam deuses e a nenhum mortal é permitido ir.
As próprias palavras de Apolo ao jovem Faetonte nos ajuda a compreender a questão: Teu Destino é mortal e pedes o que está além da capacidade de um mortal. Em tua ignorância, aspiras fazer o que nem os próprios deuses fazem. Ninguém, a não ser eu mesmo, pode guiar o flamejante carro do dia.
Aqui, entre outras coisas, somos convidados a perceber que a busca constante por atingir aquilo que nos escapa, o conhecimento absoluto pode nos levar à queda irreversível.
Não foram poucas as definições do filósofo e da filosofia como aquilo que busca incessantemente o maior conhecimento possível. Tal erro de Faetonte, talvez fosse melhor perceber que há muitos paraísos a perder e há muitas consequências drásticas se compreendemos a filosofia como, apenas, essa ilimitada busca do saber.
Mas, será ela só isso? Imagine! Nem começamos ainda.
Sigamos nossa trilha do espanto.
A concepção de que a filosofia e sua sede por conhecimento é algo que pode ser visto como uma distância do mundo, bem como uma disciplina que traz os riscos da expulsão de algum tranquilo e acrítico paraíso merecerá de nossa atenção outro foco.
Se o perigo repousa na aquisição do conhecimento é porque ele permite mudanças naquilo que se entende como real. Nesse sentido, meus amigos, o filósofo não é mais aquele homem distante do mundo a escrever tratados de metafísica incompreensíveis.
Nesse sentido mais próximo a nós, o filósofo é todo aquele que, através de características bem específicas, pode gerar temor porque oferece realmente algum risco.
Descer da interpretação mitológico-bíblica para nossa esfera social de relações, eis agora nosso caminho. Mas afinal, aqui no tecido do mundo com outros homens, vivendo e sobrevivendo nesse espaço chamado coletividade, há lugar para o filósofo ou a filosofia? Certamente que há.
O filósofo italiano Antônio Gramsci (1831 – 1937) pode nos ajudar decididamente nessa empreitada.
Dizia ele que todos nós somos filósofos na medida em que refletimos, de maneira mais ou menos intensa, os problemas de nossa realidade e existência.
Do cientista profissional que encontra problemas em sua elaboração teórica, ao sujeito que precisa pensar sobre qual a relação amorosa que melhor se adeque a sua condição existencial: não estamos mesmo todos nós a pensar?
A tarefa de Gramsci, uma genuína lição, é que o que nos cabe seria justamente uma análise crítica dessa condição de sermos “todos nós filósofos”.
Explico melhor: Todos nós temos uma concepção de mundo, uma noção mais ou menos vaga do que seja a realidade, com seus deuses, leis ou estruturas. Essa visão de mundo pode ser percebida, a um olhar minimamente atento, nas mais variadas manifestações de nosso cotidiano. Na linguagem do senso comum (“isto não está certo!?”, “mas isto é pecado!”, “Eles não podem fazer isso”, “Amor não funciona assim”, “Mas as coisas são assim mesmo”…etc.) podemos extrair uma concepção de vida e de mundo a que as pessoas estão participando mesmo que elas não saibam que estejam.
Diante a um grave problema ético, por exemplo quando anunciamos a condenação de um ato, não estamos nós tomando partido sobre o que vem a ser justiça? Não estamos, ao pensar que um jovem que rouba comida para seus irmãos em um supermercado deva ser jogado numa prisão por anos, tomando partido sobre o que vem a ser o certo e o errado? Não estamos indo um pouco mais fundo, tomando partido no direito e condenação de uma vida através de uma interpretação subjetiva dos parâmetros da lei?
O que Gramsci nos convida é perceber que negar a filosofia de nossas vidas é negar essas concepções embutidas de maneira inconsciente em nossa fala e pensamento cotidianos. O mesmo se aplica à religião, nossas crenças sobre a criação do mundo, o destino do homem, sua verdadeira natureza, o pecado e a virtude, as mais variadas regras que brotam, sem que percebamos, desta ou daquela crença.
Nossa linguagem de todos os dias está repleta das mais variadas construções sobre a realidade, e numa simples conversa entre vizinhos num domingo de sol há inúmeras e complicadas interpretações do que o mundo é – e do que deveria ser!
O que Gramsci nos convida é uma extraordinária análise de si mesmo.
No entender do filósofo, através de uma análise crítica da própria consciência, perceberemos as infindáveis visões de mundo que foram, desde sempre, colocadas em nós (em linguagem psicanalítica diríamos que a civilização com suas normas e leis foram intrometidas em nossos ser, modificando nossa própria maneira de nos compreender e ver o mundo) para a partir daí tomarmos ativamente em nossa própria visão de mundo.
Sair da passividade mecânica para adquirir uma atividade sobre nós mesmos. A pergunta poderia ser mais bem simplificada da seguinte maneira: queremos permanecer presos às visões impostas sem nenhum tipo de participação de nossa consciência sobre aquilo que nós mesmos pensamos, ou a autonomia de construir nossa própria visão de mundo seria melhor?
Precisamos, nesse sentido, elaborar nossa própria compreensão da realidade e ser capaz de perceber quando violentamente nos imputam uma opinião. Somos todos filósofos na medida em que podemos fazer esse retorno sobre nós mesmos.
E sobre esse retorno a si mesmo, em filosofia chamado “reflexão” (o terreno vem da física, algo que reflete e volta para o ponto de partida) temos, pois, ainda muito a falar.
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Poderíamos falar por meses sobre a tradição antiga do pensamento filosófico. Mas não temos esse tempo e nem é o nosso propósito. O que nos interessa é refletirmos um pouco sobre essa noção de que a filosofia tem estreita relação com o retorno do pensamento a si mesmo.
Talvez quem melhor tenha nos ensinado essa questão seja o pai da filosofia, a saber, Sócrates (469 – 399 a.C).
Com ele aprendemos algo de extrema importância: a tarefa mais imediata da filosofia deverá ser o “conhece-te a ti mesmo”.
Interrogado por um homem, na cidade de Atenas, o oráculo de Delfos, templo em homenagem ao deus Apolo, responde à pergunta “quem é o homem mais sábio da cidade”, a frase que viria mudar os rumos da filosofia: o homem mais sábio é Sócrates. Ora, pensou o nosso filósofo, seria mesmo eu o mais sábio entre os homens? A busca então se inicia.
Sócrates fora ter com a cidade a procura de confirmar ou refutar tal afirmação do oráculo. Conversa com artistas, políticos, outros filósofos, e após tempos de árdua pesquisa, a sua constatação deixou marcas indeléveis para nossa tradição: ele era o mais sábio dos homens pois era o único que sabia não saber coisa alguma.
Em conversa com os políticos sobre o que é a virtude, a justiça, etc. Sócrates sempre terminava por confrontar seus adversários com suas ácidas questões, desmontando as certezas inabaláveis de seus companheiros.
O filósofo é aquele que, buscando conhecimento em incessante reflexão, sabe de sua ignorância.
E afinal, será que a situação mudou hoje? Será que nossos políticos e artistas e escritores e filósofos que tão arduamente se mantêm apegados em suas verdades aguentariam as provocativas insinuações de Sócrates? Será que estamos preparados para enfrentar as dúvidas sobre aquilo que mais defendemos e acreditamos? Aprendemos, caro leitor, coisas importantes com essa experiência.
Em primeiro lugar, ao ser solicitado a investigar a si mesmo, descobrir através de sua autoanálise se era o mais sábio dos homens, Sócrates só poderá saber a verdade ou a falsidade dessa afirmação se puder descobri-la em contato com os outros. Para ser o mais sábio ou o mais ignorante dos homens (o que em Sócrates caminham juntos) o nosso filósofo precisou descer ao mundo com os outros, interrogar aos seus companheiros.
O que isso nos ensina é que a filosofia não é uma atividade do isolamento, muito ao contrário, àquela visão do filósofo como um homem distante do mundo vem contrapor-se o ensinamento de nosso provocativo pensador: a filosofia está no embate entre os homens, no diálogo entre eles, na possibilidade de, questionado sobre si em nossas verdades, nossas opiniões, possamos voltar-nos para o mundo.
Tudo se passa como se fosse da natureza da filosofia construir-se através de sua vinculação entre os homens. Ao ver no mundo a ignorância, nosso filósofo se volta para si; ao questionar a si sobre o que é a sabedoria, Sócrates interroga o mundo.
Considero essa uma das mais bonitas e potentes caracterizações do fazer filosófico. Longe de se opor a concepção de Gramsci, são visões complementares.
Não é difícil percebermos que a maneira de compreender o que vem a ser a filosofia ou para que filosofia é muito mais complexa do que poderia parecer a olhos inocentes.
Sócrates estava diante de uma aporia. Esta palavra grega pode ser traduzida como “enigma”, “problema sem saída”, “dilema insolúvel”.
Diante dessa caracterização de que a filosofia está vinculada a uma ideia de dúvida problema ou questão insuperável afinal, (seria eu, Sócrates o mais sábio? Poderiam os outros filósofos da cidade responder?), podemos nos aproximar de outro grande pensador da história humana, Aristóteles.
Na abertura de um de seus mais fundamentais livros, Metafísica, Aristóteles diz:
A filosofia não é uma ciência prática, é evidente pelos que primeiro filosofaram. Pois os homens começaram a filosofar movidos pelo espanto (Tò thaumázein)… Aquele que se coloca uma dificuldade e se espanta reconhece sua própria ignorância. (…) de sorte que, se filosofaram para fugir da ignorância, é claro que buscavam o saber em vista do conhecimento e não em vista de alguma utilidade.
Nesta caracterização que pode parecer simples à primeira vista, veremos algo de uma riqueza profunda. A filosofia, diferente de uma ciência prática (pense na marcenaria ou no artesanato, por exemplo, onde objetos são criados, fabricados pelo trabalho humano) não tem um fim de fabricação, no sentido de que não oferece ao mundo um objeto.
O que move os homens à filosofia, assim, não é um interesse de produção de coisas ou utensílios, mas a necessidade de se mover porque foram tocados por um espanto! Os homens que primeiro filosofaram e aqueles que, à época de Aristóteles (e sem dúvida à nossa também) filosofam são todos sempre movidos por um espanto, algo que pareça fugir da ordem, algo que nos desperta a curiosidade por não sabermos exatamente do que se trata, uma aporia.
Diz-nos o filósofo que onde tudo parece normal e explicado não haverá lugar para o pensamento, como se este se espreitasse pela brecha da inquietação. Diante de um problema, de um espanto (“mas porque as coisas são assim ao invés de serem de outro modo? ”) os homens fazem filosofia. A palavra que Aristóteles emprega é Tò thaumázein, e podemos vê-la como um espanto cheio de admiração. Isto é fascinante!
Não se trata de qualquer espanto, qualquer experiência de estranhamento (estamos voltando aos inícios do nosso trajeto), mas de uma inquietação que se admira, fascina-se.
Ao observar a natureza todos os dias perdemos esse olhar de espanto, tudo acontece como previsivelmente ocorrerá. O olhar do filósofo, todavia, é aquele que não se permite fixar na “naturalidade inocente” das coisas.
Aqueles que filosofavam, diz nosso filósofo, colocaram-se diante de algum espanto, de algo que eles não podiam responder (tal qual Sócrates) e são movidos pelo desejo incessante de mergulhar no mistério admirativo fizeram filosofia. Esta, portanto, é a atividade do olhar, da admiração, da contemplação; da paciência e da vontade de mover-se do estado de aporia em que se encontra.
Não estamos mais distantes do mundo no mesmo sentido que nossa primeira caracterização. Agora, a distância do mundo é de alguém que dele se guarda para melhor nele mergulhar. Através de um olhar cheio de admiração, o filósofo toma distância da realidade sem perder seus vínculos com ela; antes, movido por ela, interroga-se acerca do mundo. Mas não nos apressemos. De enigma em enigma, de espanto em espanto, de aporia em aporia, o movimento da filosofia é infinito!
Para cada nova resposta que possamos dar, percebemos que há outras inúmeras dificuldades surgidas de nossa posição, e na tentativa de resolvê-las, estamos nós no genuíno movimento da filosofia.
Por não cessar sua procura, pois o mundo não cessa de nos surpreender, a filosofia é uma atividade sempre presente aos olhos daqueles que se espantam com a realidade.
Há ainda outra coisa importante nos dizeres de Aristóteles. Não sendo uma atividade prática, isto é, preocupada com a criação dos objetos, a filosofia é livre.
Sua autonomia reside, não na aplicação deste ou daquele instrumento técnico, mas na incessante atividade do espírito que nunca repousa.
A filosofia, portanto, é um fim para si mesma. Não estando presa a ordens de utilidade, ela pode pensar e refletir o mundo sem celas ou limitações; isto que Aristóteles quer dizer quando nos pontua que os homens filosofam para fugirem da ignorância.
Não necessitando prestar contas ante este ou aquele domínio, a este ou aquele lugar, a esta ou aquela religião, a atividade da filosofia dá a si mesma sua norma e seu fim: ela é livre porque não está presa nas necessidades mundanas de nossa vida.
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“Pra que filosofia?”, aos nossos olhos atentos, transforma-se em: “não consigo encaixar esta experiência do pensamento no nosso mundo de técnicas e utilidade; não sou capaz de perceber que o pensamento livremente interrogando a si mesmo tem uma finalidade completamente alheia ao nosso mundo da técnica.”
Vale lembrar que aquilo que serve a algo pode facilmente ser transformado em algo servil. Sem dúvida, isto é impossível com a filosofia, correndo o risco de que de fato não seja mais filosofia se servir para alguma utilidade fria.
Aristóteles, há dois mil e trezentos anos aproximadamente, já nos ajuda a perceber como a filosofia pode causar um incômodo estranhamento a quem não possui a capacidade de espantar-se com o mundo de maneira admirativa.
Pra que filosofia? Uma resposta possível talvez seja para impedir que a velocidade do mundo e sua utilidade avassaladoras nos esmaguem sem nos dar a chance de perguntar… “por que?”. Afinal, o espanto pelo mundo acabou?
Sigamos agora mais uma maneira de compreensão de nosso peculiar objeto de análise.
Deste espanto pelo mundo, poderemos nós extrair algo que não seja nem completamente utilitário como a produção de um hardware, nem completamente abstrato, como uma doutrina metafísica pouco compreensível?
Quero dizer, é possível manter-se na revelação aristotélica, mirar o espanto e dele iniciar o filosofar; unir-se a Sócrates, isto é, diante a uma interrogação percorrer o mundo e a nós e, finalmente, pesando com Gramsci tornarmo-nos mais críticos em relação a enxurrada de concepções e pressupostos que nos foram empurradas desde de nosso nascimento? A resposta é, certamente, sim.
Isto se deve a mais uma característica da filosofia que não podemos perder de alcance: diferente de um discurso científico, como a física ou a matemática, a ideia de “verdade”, ou o verdadeiramente “certo”, não encontrará, em filosofia, seu lugar. Não sem problemas, é claro. Não é possível sair de uma aula de física decidido a manter-se firme nos pressupostos da mecânica de galileu aplicando-as às dimensões das descobertas da relatividade de Einstein; igualmente, a história das ideias na química vai soterrando as antigas concepções sobre a alquimia, por exemplo, pela recente análise contemporânea das substâncias e processos.
Mas em filosofia, tudo se passa de outro modo.
Todavia, é plenamente possível que após uma aula de filosofia um estudante saia decididamente platônico, outro esteja convencido do pensamento de Leibniz, mais um se decida por converter-se ao cristianismo após as palavras de Agostinho e novamente vejamos um kantiano sair resoluto da sala.
Isto é assim justamente porque em filosofia nenhuma verdade é definitiva, nenhuma posição é a última a ter, tiranicamente, pregnância sobre as demais. Não, quando pensamos em filosofia, há um universo de problemas ainda não respondidos que atravessam os tempos de Tales de Mileto (cerca do século VII a.c.) até Martin Heidegger (1889 – 1976), e mais além.
É da natureza da filosofia permanecer constantemente interrogativa e aberta às velhas respostas bem como às novas perguntas. E vice-versa! Logo, podemos sem problemas unir tudo o que estamos falando até aqui e deixar claro que seria melhor falar, antes, em filosofias do que na filosofia.
Só temos a ganhar com essa aparente ambiguidade.
Prosseguindo nossa estrada, podemos apresentar duas problemáticas filosóficas que foram tecidas em solo contemporâneo e que poderiam ser decididamente uma forte expressão de como a filosofia não deixa de ser a experiência do estranhamento e do espanto, ao mesmo tempo em que procura nos lançar numa investigação de nós mesmos, nossos pressupostos, ideias e valores inseridos no tempo e no mundo de maneira muito específica.
Uma das mais importantes pensadoras do século XX, Hannah Arendt (1906 – 1975), vai nos ajudar numa nova etapa de nossa investigação.
Para tal, um pequeno incurso histórico. Sabe-se que a mente psicopata é perigosa, e o que aprendemos de uma psicopatia que alcança o poder fora uma chaga que nunca mais se fechará na história humana. Refiro-me a Adolf Hitler e os episódios ocorridos de 1939 a 1945. Não nos cabe aqui avaliar ou mesmo adentrar a dimensão histórica deste traumático evento, a segunda guerra mundial, basta para nós termos em mente que esta experiência não tem precedentes na história humana e que a filosofia fora decididamente chamada a prestar auxílio.
Mas nada ocorrera assim facilmente. Por muito tempo os textos de filosofia e de teoria política se calaram perpetuamente diante à barbárie que assistimos no extermínio de milhares de pessoas.
De câmeras de gás que levavam a uma morte terrível, às mais sórdidas experiências com cobaias vivas, o que carregamos em nossa pele dia após dia, é a vergonha de, enquanto raça humana, termos permitido nascer algo como o fascismo alemão que quase destruiu o planeta terra.
Como pontuara tão bem o dramaturgo e poeta Bertold Brecht (1898 – 1956) “a cadela do fascismo está sempre no cio”. Mas que nos interessa particularmente isso? Muito, verão vocês.
Uma das primeiras pessoas a enfrentar o problema nazismo e suas consequências do ponto de vista intelectual fora a filósofa Hannah Arendt. Com um dos livros mais importantes do século XX, a autora nos mostra em “As Origens do Totalitarismos” que a experiência nazista nos apresenta uma situação nunca antes imaginada.
Seria preciso repensar as noções, recriar as concepções: em suma, elaborar novas maneiras filosóficas de compreender a experiência política após o holocausto e Hitler. Mas o que essa corajosa mulher nos apresenta é uma compreensão da atividade filosófica que muito nos auxiliará.
Em 1961, a filósofa participa de um julgamento histórico. Adolf Eichmann fora um nazista capturado após o fim da guerra e que seria julgado por um comitê especial, em Jerusalém, pelos seus terríveis crimes de guerra.
Responsável por um cargo que o possibilitou, durante a guerra, mandar para morte milhares de pessoas – sim, ele era um burocrata que autorizava e controlava a deportação dos judeus para os campos de extermínio! – Adolf seria finalmente julgado perante a comunidade internacional. Hannah Arendt estara presente nesse evento e suas brilhantes análises serão uma das mais potentes ferramentas teóricas que a autora nos legou.
O choque da autora, e que não deixa de ser o nosso, é que diante dela não estava uma presença maligna e sem alma, alguém de profunda vileza, mas muito pelo contrário, estávamos diante de um homem comum.
Esta impressão impacta tão profundamente a filósofa que novos horizontes começam a brotar para refletir sobre esse tema tão caro à humanidade, a saber, o mal.
O que descobria Arendt é que não estávamos diante da maldade tão assiduamente combatida pela tradição (pense na perseguição por parte da igreja dos avatares do demônio), mas estávamos em presença de um mal que se tornara banal.
O que a autora nos revela é que não é preciso ser um gênio do crime, ser um expert dos assuntos psicológicos, tampouco demonstrar uma predileção psicótica de amoralidade para produzir a barbárie.
O que nos ensina Arendt é que o mal se manifesta também enquanto banalidade. Qualquer um de nós, mulheres e homens jovens e adultos, novos e velhos, podemos fazer atrocidades sem que nos seja necessária uma alma maligna por detrás. “O mal sem raízes, sem profundidade”, eis como a autora nos apresenta o homem Eichmann.
Após esta caracterização da possibilidade de fazer o mal sendo uma pessoa ordinária e sem nada de especial, a filósofa nos colocará que a atividade do pensamento é um guia constante para nossas ações e condutas. Pensar, dirá Arendt, não é simplesmente uma faculdade entre outras.
Mas, pelo pensamento, somos capazes de compreender a necessidade de ponderação e constante vigilância sobre nossas atividades. Nesse sentido, a barbárie produzida pelo aparato burocrático de Hitler tem estreita vinculação à uma incapacidade de pensamento; experiência do isolamento e da fria distância do espaço comum, os homens que não pensam seriamente sobre sua realidade e sobre as potencialidades de suas ações podem mandar milhares de pessoas à morte com a mesma simplicidade que um funcionário “ executa ordens”.
O que Arendt descobre e que não cessa de nos impressionar é que o pensamento tem um caráter moral, e quando pensamos sobre o mundo, os espaços públicos, a possibilidade de um futuro comum, estamos também em compromisso com os outros, exercemos uma atividade moral.
Não estamos distantes destes acontecimentos que tanto nos impelem a ver que a reflexão realmente nos pode auxiliar sobre o certo e o errado. Pense em lutas de estádio, jogos de futebol, onde pessoas se matam violentamente porque a bola do outro time entrou numa rede.
O que este caso nos demonstra é que a filosofia, nessa breve acepção, não é o palco de um isolamento do homem, antes, é a tarefa imperiosa de manter o pensamento ativo e a concentração racional para impedir, através de seu exercício, a instauração da destruição de nosso mundo comum.
Nesse sentido, não apenas de aporia em aporia, de estranhamento em estranhamento, mas a filosofia como constante necessidade de não permitirmos que a atrocidade se instaure em nosso mundo.
Longe de ser uma reflexão abstrata sobre os fundamentos de questões que não nos dizem respeito, podemos dizer, com Arendt, que nunca é tarde demais para se elaborar o pensamento.
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Um filósofo francês do século XX, Jean-Paul Sartre (1905 – 1980), disse, certa vez, que não somos uma couve flor.
Para além do quase ridículo dessa expressão, com mais cuidado e sofisticação intelectual, apreendemos que o que ele quer dizer desse modo provocativo é que a couve flor (bem como a mesa, o cachorro, o caderno e as estrelas) só poderia ser o que é: uma couve flor.
Não há possibilidade alguma desta leguminosa deixar de ser aquilo que é. Uma couve flor só poderá ser uma couve flor. Mas com os homens, nós, todos nós, ocorre algo bem diferente. Não temos determinações que nos exigem ser desse ou daquele modo. Nossa tarefa, terrível e ao mesmo tempo extraordinária, é que somos o único ser na natureza que podemos nos criar e nos reinventar a cada segundo.
Devemos fazê-lo! Primeiro exista, diria Sartre, e depois “me diga o que tu és”. Não ser um legume significa que podemos criar aquilo que queremos ser. Desde um sujeito que transporta judeus para a morte até alguém que decide pensar sobre cada uma de suas ações: somos aquilo o que fizemos de nós mesmos.
O estranhamento decorre da própria natureza da filosofia que, longe das aplicações fabris e técnicas, não apresenta uma utilidade rápida ou mesmo ensinável a seus estudantes.
Estranha no interior de uma sociedade que se afasta cada vez mais da necessidade de refletir sobre suas ações e sobre suas condutas, uma sociedade que, dominada pelo avanço inesgotável das produções técnicas, parece ter se afastado da necessidade de refletir sobre nossa capacidade de atuar do mundo, deter aquilo que, no passado, assistimos como barbárie (Arendt).
Experiência de estranhamento também porque temos a tendência de naturalizar aquilo que é histórico. Falamos de momentos históricos terríveis e inclusive criamos memes sobre isso. É mole?! A vida, e a sociedade em que ela se desenvolve, não são assim desde sempre!
Houve épocas em que se horrorizou com aquilo que fazemos hoje. Do mesmo modo, proibimos drasticamente algumas situações em nossos tempos, mas que já foram celebradas (como a queima das mulheres acusadas de bruxaria na idade média).
A filosofia como experiência do estranhamento porque, junto com Aristóteles, aprendemos que o espanto admirativo acompanha um olhar que não se deixa atingir pela naturalização das coisas, um olhar que não se permite engessar em normas e ditos, regras e estruturas.
Como uma criança que se espanta com o mundo, que o apreende como a mágica e misteriosa aparição de um universo inexplicável, o filósofo não se recusa ao estranhamento, mas faz dele sua morada.
Nosso trajeto chegou ao fim.
Espero que tenham percebido que não é fácil responder o que vem a ser a filosofia nem como dar uma resposta definitiva a esta pergunta. Na verdade, que bom que é assim.
O mundo permanece aí, lá fora, aqui, cheio de mistérios e encantamentos que pedem de nós um exercício de desvendamento, que constantemente o reinterpretemos. E pra que dar uma última resposta? Porque entregar-se a utilidade fria a preencher todas as brechas de nossa existência? Será que não podemos trilhar um caminho diferente? Sim… não… bem, … vamos filosofar?
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